Uma cidade com nome de mulher: Noiva do Cordeiro

No coração de Minas Gerais, existe uma cidadezinha pacata chamada Noiva do Cordeiro, onde a população é predominantemente feminina. Uma cidade só de mulheres. Nesta localidade rural, elas trabalham incansavelmente na agricultura para sustentar as suas vidas simples. No entanto, a tranquilidade foi quebrada quando a imprensa internacional divulgou a notícia de que elas estavam à procura de maridos e namorados. Explora em Sen Enderezo o que é uma cidade só de mulheres na literatura, mas também no mundo real.

Sumário (11 minutos de leitura)

Noiva do Cordeiro: uma cidade de mulheres em Brasil

Localizada no interior de Minas Gerais, Noiva do Cordeiro é uma cidade que se destaca por a sua comunidade singular. A maioria esmagadora dos seus habitantes são mulheres, é a cidade com maior número de mulheres do Brasil.

Além disso, desempenham papéis essenciais na agricultura e na manutenção da comunidade. No entanto, a fama internacional da cidade veio à tona quando o jornal britânico «The Telegraph» publicou um artigo com o título «Residentes de Noiva do Cordeiro, quase todas mulheres, procuram solteiros». A notícia se espalhou rapidamente, sendo reproduzida por vários meios de comunicação, incluindo o «Huffington Post» e o «Daily Mail».

O anseio por amor. Para é que querem um marido ou namorado?

O «The Telegraph» descreveu Noiva do Cordeiro como uma «pequena cidade rural escondida nas colinas, habitada por belas mulheres em busca de amor». Cerca de 600 mulheres foram mencionadas como «deixadas para administrar a cidade sozinhas,» algumas delas expressando o desejo de encontrar homens solteiros. Muitas revelaram que não haviam tido um relacionamento amoroso há anos e sonhavam em se apaixonar e casar.

No entanto, as moradoras locais contestaram a representação internacional. Elas afirmam que as histórias foram exageradas. Algumas residentes negaram ter dado entrevistas para os veículos de comunicação estrangeiros, evidenciando um conflito entre a realidade local e a narrativa global.

Se calhar, não todas as mulheres que moram em Noiva de Cordeiro andam a procura dum homem, senão duma mulher ou duas, não é? Ou estão contentes solteirinhas. Mas acho que essas perguntas não estavam no questionário dos jornalistas ingleses nem brasileiros.

Por que é que Noiva do Cordeiro é uma cidade de mulheres?

Noiva do Cordeiro é uma cidade com nome de mulher devido a uma série de fatores e circunstâncias históricas que moldaram a demografia desta comunidade. Aqui está uma explicação de por que a população é predominantemente feminina:

  • Duras condições do campo: Noiva do Cordeiro está localizada numa zona rural, onde a vida no campo pode ser extremamente desafiante. As condições de trabalho na agricultura podem ser fisicamente exaustivas e, muitas vezes, insustentáveis para algumas pessoas, levando os homens a buscar oportunidades em outros lugares. Por outro lado, os salários no setor agrícola são muito baixos.
  • Emigração dos homens para as grandes cidades: A emigração é um fator-chave. Muitos homens de comunidades rurais, incluindo Noiva do Cordeiro, procuraram melhores oportunidades de emprego e qualidade de vida nas grandes cidades. Esse fenômeno deixou as mulheres encarregadas das tarefas agrícolas e da gestão da comunidade.
  • Abandono pelos maridos: Algumas mulheres em Noiva do Cordeiro enfrentaram o abandono por parte de seus maridos e o abandono paterno, se for mãe. Esses homens podem ter optado por procurar trabalho ou uma vida diferente em outros lugares, resultando na necessidade de as mulheres assumirem a responsabilidade por manter as suas casas e comunidades.
  • Cultura e tradições locais: É importante destacar que as dinâmicas de género em comunidades rurais podem ser influenciadas pelas tradições e cultura locais. Em alguns casos, as mulheres podem ter assumido papéis mais proeminentes na tomada de decisões e na gestão comunitária.

Resumindo, a predominância de mulheres em Noiva do Cordeiro deve-se a uma combinação de fatores, incluindo as duras condições do campo, a emigração dos homens para as grandes cidades em busca de emprego, o abandono pelos maridos e as dinâmicas culturais e tradicionais locais. Esses fatores contribuíram para a singularidade demográfica desta comunidade.

Isso acontece em outras áreas rurais da América Latina, como a cidade mencionada no filme mexicano El Eco. Em Eco, a maioria dos habitantes são mulheres que criam os/as filhos/as sozinhas e cuidam do gado, enquanto fazem a colheita da terra. Os homens voltam algumas vezes por mês para fazer uma visita. Contudo, o caso brasileiro de Noiva de Cordeiro é ainda mais emblemático.

Eco, aldeia mexicana onde a maioria dos habitantes são mulheres.

Quantas mulheres trabalham na agricultura no Brasil em 2023?

O agro brasileiro conta com 10,7 milhões de mulheres entre a população ocupada (38,07%). Os homens ainda são maioria (61,93%), totalizando 17,4 milhões.

As mulheres do agronegócio representam 23,41% do total de mulheres trabalhando no Brasil, Já eles que atuam no agro correspondem a 29,8% do total de homens na população ocupada no país.

As mulheres rurais da América Latina muitas vezes ficaram invisíveis. Além de receberem baixos salários, muitas vezes entra em jogo outra questão fundamental do feminismo, o fator étnico. Muitas mulheres que trabalham no campo latino-americano vêm de comunidades indígenas, são “cholitas” que durante muito tempo não tiveram voz própria na vida política. Mas o teto de vidro está a quebrar.

Clara Sola é um filme da Costa Rica que mostra a realidade de três gerações de mulheres muito ligadas à natureza. É uma mistura de desejos, crenças e pequenas lutas lideradas por Clara, que está apenas frágil fisicamente.


O Poder da solidariedade (sororidade) na vida das mulheres

Noiva do Cordeiro é uma cidade que encontra força na união e na solidariedade, ou o que chamamos sororidade nas leituras feministas. As mulheres trabalham coletivamente na produção de artesanato e produtos rurais, enfrentando o preconceito das cidades vizinhas.

A comunidade se apoia mutuamente para garantir seu sustento e preservar suas tradições, destacando a importância da coletividade. Tomamos como exemplo a cidade das mulheres no Brasil, mas vemos isso em outros lugares da Lusofonia.

O filme O Corno, o primeiro a ganhar a Concha de Oro no Festival de San Sebastián em galego, conta como foram os últimos anos da ditadura franquista na costa galega. A protagonista, parteira de profissão, nos mostra uma rede de irmandades que conecta mulheres muito diferentes, mas unidas pelo mesmo motivo.

O Corno de Jaione Camborda conta uma história de irmandade entre as mulheres da Ilha de Arousa na década de 1970. Também é muito recomendável El sueño de la sultana.

Outras comunidades de mulheres

Noiva do Cordeiro pode ser a cidade de mulheres mais famosa, mas não está sozinha nesse movimento. Em todo o mundo, existem comunidades semelhantes que desafiam os estereótipos tradicionais de género.

A Islândia, por exemplo, é conhecida por a sua igualdade de género, com mulheres desempenhando papéis-chave na política e na economia. Essas comunidades estão provando que as mulheres têm um papel fundamental na construção de sociedades mais igualitárias. No entanto, na Islândia, a população em 2023 ainda é predominantemente masculina. Portanto, a igualdade de género, como nós feministas já sabíamos, depende da vontade política de um país. Homens machistas do mundo, não se preocupem, não faremos vocês desaparecerem, temos consciência de que não moramos no mundo da Barbie.

Além da Islândia, alguns outros países nórdicos, como a Suécia e a Noruega, também têm uma distribuição de género que favorece as mulheres devido a fatores semelhantes. Uma curiosidade: embora seja verdade que foram realizados estudos sociológicos sobre o consumo excessivo de álcool na população masculina ou problemas de saúde mental, o que resulta numa alta taxa de suicídio na Noruega, atualmente a maioria das pessoas que residem no país são homens, segundo para Statista.

Outro exemplo notável é a Estónia, onde há uma discrepância significativa entre o número de mulheres e homens. Isso ocorre devido a eventos históricos, como as duas guerras mundiais e a Guerra de Independência da Estónia, que resultaram em uma diminuição da população masculina. Com essas informações não quero cometer o erro de ignorar a presença das mulheres nas guerras, recomendo o livro A guerra não tem rosto de mulher.

Em geral, as nações escandinavas e bálticas costumam ter uma proporção maior de mulheres em a sua população, em parte devido a fatores históricos e sociais. É importante observar que, mesmo quando há mais mulheres do que homens em um país, as dinâmicas de género podem variar amplamente em diferentes faixas etárias e grupos demográficos.

Wonder Woman, a amazona mais famosa.

Para encontrar cidades só para mulheres, 100%, temo que tenhamos que entrar no mundo da mitologia. As amazonas eram guerreiras que viviam apenas em comunidades de mulheres.

Embora na vida real encontremos espaços exclusivos para mulheres, além dos vagões rosa, nos projetos de lares de idosos/as 4.0. que estão sendo propostas na Espanha. Claro que neste novo modelo de habitação adaptado às necessidades dos/as idosos/as não poderia faltar a inclusão de grupos LGTBI. Procura os teus fones de ouvido e ouve este episódio do podcast Saldremos mejores em espanhol.

Explora a ideia de senior cohousing apenas para mulheres ou coletivo LGTBI neste podcast.

As cidades de mulheres na literatura

A literatura também explorou esse conceito fascinante. O livro A Cidade das Mulheres de Elizabeth Gilbert narra a história de uma cidade fictícia onde apenas mulheres moram. A obra mergulha na ideia de uma sociedade dominada por mulheres e os desafios e oportunidades que surgem dessa dinâmica única.

E não é o único livro que situa uma história ficcional em um espaço habitado apenas por mulheres. Na verdade, às vezes esse espaço é habitado apenas por tu mesma

Livre é uma obra que narra a jornada espiritual e montanhosa de uma jovem que tem muito que se perdoar.

A Cidade das Mulheres de Elizabeth Gilbert.

Poderíamos dizer que é a versão americana do Caminho Português do Caminho de Santiago. Se tu queres ir para as montanhas sozinha e que se f* a cidade que não é só para as mulheres, mas também tem uma boa biblioteca, coloca na mala Woodswoman de Anne LaBastille.

O país das mulheres

No palco, a presidente Viviana Sansón terminou seu discurso triunfante. Ela só precisava agitá-los para que toda a praça explodisse em aplausos renovados. Era o segundo ano do seu mandato e o primeiro em que se celebrava, com grande pompa, o Dia da igualdade em todos os sentidos, que o governo do PIE incorporou às efemérides mais ilustres do país. A emoção turvava os olhos da presidente.

O Partido da Esquerda Erótica (PIE) venceu as eleições em Faguas, uma pequena nação latino-americana: é hora de as mulheres governarem para trazer uma mudança verdadeira e duradoura. Viviana Sansón e as suas ministras terão que se esforçar ao máximo para retirar todos os homens da administração.

Logo, chegam os inimigos – e inimigas ferrenhas – e em uma das suas apresentações públicas, a presidente Sansón é vítima de um atentado. Quem disparou e quais interesses estão ocultos? O PIE conseguirá resistir aos ataques de os seus adversários? Será que Faguas, após o término do seu mandato, se tornará um país melhor?

Esta é a sinopse do livro O país das mulheres de Gioconda Belli, escrito originalmente em espanhol. Esta mulher encontrou seu lugar na narrativa de ficção científica e recomendo fortemente a leitura dos seus romances.


As cidades de mulheres existem. Noiva do Cordeiro é uma localidade brasileira que capturou a imaginação do mundo, mas também serve como um lembrete do poder da comunidade e da resiliéncia das mulheres. Enquanto essa cidade rural continua a prosperar na sua simplicidade, outras comunidades em todo o mundo também estão desafiando as normas de género, reforçando a ideia de que a força coletiva pode superar qualquer obstáculo.

Através da literatura, da sororidade e da conscientização, essas histórias inspiradoras têm o potencial de empoderar mulheres em todos os lugares a seguir os seus próprios caminhos e a desafiar as expectativas sociais. E assim, continuamos a celebrar a força e a resiliéncia das mulheres em todo o mundo.


Quem escreve este artigo?

Sou Laura Oliveira Sánchez e, embora o meu primeiro sobrenome seja de origem portuguesa devido a um bisavô e seja irrelevante, apenas tirei um curso de três anos (B2) na Escola de Línguas de Santiago de Compostela. Além disso, nasci na Galiza, outra parte da Lusofonia, e a minha língua materna é o galego. Há muito tempo que não escrevo em português (de Portugal), então se notas algum erro gramatical, tem piedade e deixa comigo nos comentários.

Laura Oliveira Sánchez

Mais artigos de Sen Enderezo

El Ministerio de Igualdad y las CCAA acuerdan la distribución de 350 millones de euros destinados a la lucha contra la violencia de género y al fomento de la Igualdad

El Ministerio de Igualdad, junto con las comunidades autónomas, Ceuta y Melilla, han anunciado este lunes la distribución de 350 millones de euros destinados a la lucha contra la violencia de género y al impulso de la igualdad de género en España. «Garantizando derechos: un paso firme hacia la igualdad» La ministra Ana Redondo, quien…

Mujeres escaladoras: habelas hailas

El feminismo impulsa la igualdad y la representación femenina en la escalada, desafiando estereotipos y creando espacios seguros. Iniciativas como Girls on the Wall y competiciones no mixtas promueven la inclusión y el respeto, fomentando una cultura escaladora diversa y libre de violencia machista.

Deja un comentario

Este sitio utiliza Akismet para reducir el spam. Conoce cómo se procesan los datos de tus comentarios.